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FILME - ILHA DO MEDO (2010)

  • Foto do escritor: stefany mota
    stefany mota
  • 31 de mar. de 2017
  • 6 min de leitura

Irei começar meu primeiro post, com o meu filme preferido.

aos que me conhecem sabem que eu sou apaixonada por filmes psicológicos e que tem um plot twist . Para quem ainda não viu o filme, advirto que meu comentário se apóia em um spoiler, ou seja,se você prefere a supresa, deixe essas linhas pra depois… Para quem já viu, e tem vontade de pensar sobre o filme, siga-me! Quem sabe você me ajuda a enxergar essa obra por outros ângulos… E para aqueles que não viram, mas não se importam em saber do filme antes de o apreciarem na telona/linha, segue um breve resumo para que, minimamente, você possa me acompanhar nessa incursão reflexiva.

Sinopse : 1954. Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) investiga o desaparecimento de um paciente no Shutter Island Ashecliffe Hospital, em Boston. No local, ele descobre que os médicos realizam experiências radicais com os pacientes, envolvendo métodos ilegais e anti-éticos. Teddy tenta buscar mais informações, mas enfrenta a resistência dos médicos em lhe fornecer os arquivos que possam permitir que o caso seja aberto. Quando um furacão deixa a ilha sem comunicação, diversos prisioneiros conseguem escapar e tornam a situação ainda mais perigosa.

Para quem lida com pesquisa sobre a recorrência de temas gnósticos na produção cinematográfica atual, ver Ilha do Medo (Shutter Island, 2010) faz lembrar de toda uma gama de filmes (Matrix, Cidade das Sombras, Show de Truman, Amnésia, Décimo Terceiro Andar etc.) que tematizam a paranoia e a esquizofrenia como caminhos para o despertar da consciência frente à realidade ilusória artificialmente criada por uma trama conspiratória. Scorsese constrói uma pesada e tensa atmosfera típica dos filmes noir (gêneros de filme norte-americano dos anos 1940-50 notabilizado pela fotografia em preto e branco com alto contraste e personagens com motivações cínicas em um mundo que se desfaz em névoas e chuva) , com toda a iconografia e simbologia do gênero (neblina, fogs, fumaça de cigarros, chuvas e tempestades, overcoats, vidros e espelhos) sobre a estória de dois policiais federais (Teddy – Di Caprio -QUE EU ADORO- e Chuck – Mark Ruffalo) que desembarcam numa ilha onde está instalado um manicômio judiciário. Estão lá para desvendar o mistério do desaparecimento de uma prisioneira em uma ilha cuja fuga é impossível. O detalhe importante é que a narrativa se situa no ano de 1952, no auge da paranoia da opinião pública norte–americana sobre a Guerra Fria e o anti-comunismo, contexto que potencializa ainda mais a vertigem paranoica do filme. O que a princípio parece uma narrativa linear sobre o encaixe das peças que levem a solução do mistério da fuga de uma prisioneira do manicômio, aos poucos vai sendo desconstruída, colocando em dúvida tanto para o protagonista quanto para o espectador a identidade do protagonista quanto à própria existência da prisioneira que desapareceu.

Descobrimos no decorrer do filme que o personagem Teddy Daniels, interpretado por Di Caprio, matou sua mulher após perceber que ela assassinara os 3 filhos do casal. (O tema lembrou-me a história de Medéia… Mas no filme, a mãe assassina não parece ter a intenção de matar os próprios filhos para se vingar do marido: ela comete os crimes em meio a um surto psicótico pouco explorado na trama) O delírio do protagonista vai sendo desmantelado à força, por meio do confronto compulsório com “dados de realidade” – fotos, nomes, noções de tempo e espaço, revelação de identidades. A lucidez vai se produzindo como um efeito da eficácia do método terapêutico preconizado pelo personagem de Ben Kingsley, o psiquiatra. O “tratamento” desconstrói a defesa psíquica delirante do personagem, obrigando-o a se defrontar com os vestígios de seu ato homicida.

Uma vez recuperada a memória do evento traumático, Teddy passa a culpar-se terrivelmente e se sentir um monstro.

Qual a serventia dessa lucidez, afinal?!

Em sua loucura e parcial amnésia, o personagem ao menos tinha um ideal pelo qual lutar. Não era um monstro, mas um herói em potencial, disposto a salvar vidas (e, na expressão cultural e onipotente do delírio, a “salvar o próprio país”). Claro que esse herói era capaz de sofrer e por isso mesmo se voltava para a ação. Lembrava-se desde o iníco do filme, por exemplo, de que não conseguira salvar os judeus nos campos de concentração invadidos por sua tropa, pois chegaram tarde demais, quando muitos já estavam mortos. Isso o motivava a agir profissionalmente com mais astúcia e prontidão. Interessante pensar que essa memória do holocausto evoca – e ao mesmo tempo encobre – uma outra: a da morte de seus próprios filhos e do assassinato de sua mulher, que talvez pudessem ter sido evitados caso ele não tivesse se omitido diante da percepção da loucura da esposa. Ao invés disso, à época, ele bebeu e se anestesiou…

E quando, já perto do fim, ele já está supostamente “curado” da psicose, somos jogados numa ambigüidade de compreensões que, mais do que servir para nos confundir, serve para nos apresentar o desfecho do filme como um paradoxo da razão ilhada pela memória do insuportável.

Na cena final, ele se dirige ao psiquiatra como se aquele ainda fosse o velho parceiro policial do delírio. Dessa maneira, parece reavivar um status e uma importância que lhe foram arrancados junto com o delírio. Mas não é só isso…

Na brincadeira de retomar o delírio – via jogo de encenação – ele acaba fazendo uma escolha ética: livrar-se do peso insuportável da culpa e da dor, ainda que pra isso tivesse que perder a própria capacidade de escolha.

Ora, sem a esposa, sem os filhos, sem o amigo, sem o delírio (que lhe permitia ser um outro “si mesmo”), e ainda por cima, física e psiquicamente “ilhado”, já não tinha mais nada a perder. Sua escolha, aparentemente irracional, nesta condição está informada pela mais justa razão: livrar-se de sua miserável existência entregando-se à lobotomia.

Eis o paradoxo: seu gesto mais lúcido foi entregar a própria lucidez de bandeja. Afinal, esta não lhe serviria mais pra nada, muito menos pra sobreviver à corrosiva e dilacerante dor de existir atravessado pela a culpa, pelo horror e pela solidão.

Retomando a cena final, o personagem de Di Caprio, aparentemente resignado e consciente, vira-se para o psiquiatra como quem inesperadamente volta a delirar, mas, ao contrário, está apenas partilhando com seu semelhante um impasse ético-existencial passível de se colocar a qualquer ser humano:

“O que é menos pior: (sobre)viver como um monstro, ou escolher morrer como um homem bom?”

Noutros termos, poderíamos colocar o dilema assim: o que é pior, viver ilhado em uma terrível verdade ou instaurar (ao preço da amnésia, da subserviência e da morte subjetiva) uma condição existencial menos tortuosa?

Vejamos que, nesse contexto, “morrer (no tempo natural da vida) como um homem bom” remete-se não à figura mítica do herói americano – afinal, seu delírio já tinha sido eficazmente demolido – , mas à ideia de um homem dócil, inofensivo, sem passado comprometedor e que segue de maneira obediente as regras sociais.

Se o protagonista é porta voz do autor da obra, poderíamos supor que Denis Lehane prefere escapar da lucidez terrorífica (ainda que dotada de alguma liberdade), possivelmente a mesma que por vezes motiva um suicida a concluir seu ato.

Então, a escolha do personagem é pelo suicídio. No caso, simbólico, porque escolhe (deixar) matar sua consciência pesada. Ora, o que pode restar de humano após uma lobotomia? De meu ponto de vista, nada, a não ser o testemunho daqueles que, minutos antes da escolha, puderam perceber a motivação legítima desta escolha como meio de escapar de uma outra prisão: a culpa.

E pra ir encerrando, porque já falei um bastante, sugiro um outro excelente filme sobre o intrigante tema da memória da violência vivida/testemunhada e os percursos de seu enfrentamento: ora ligados ao binômio loucura X lucidez; Trata-se de: “O Segredo de seus olhos”, do argentino Juan Jose Campanella, 2009. Assistir recentemente pela netflix e que realmente me deixou pensativa, futuramente escreverei sobre ele por aqui. Em ambos, somos confrontados com dilemas éticos, tais como: O que se pode/deve fazer com aquilo que opera violentamente uma disrupção em nossa vida ou na vida de outrem? Como sustentar um devir possível, sem alguma relação com o passado? Ou: como, na relação com um passado traumático, não ficar à mercê dele?

deixo essas perguntas para uma boa reflexão...

Ficha Técnica:

  • Título: A Ilha do Medo (Shutter Island)

  • ano de lançamento: 2010

  • estúdio: Paramount Pictures / Sikelia Productions / Phoenix Pictures / Hollywood Gang Productions / Appian Way

  • distribuidora: Paramount Pictures

  • direção: Martin Scorsese

  • roteiro: Laeta Kalogridis, baseado em livro de Dennis Lehane

  • produção: Brad Fischer, Mike Medavoy, Arnold Messer e Martin Scorsese

  • Elenco: Leonardo Di Caprio, Mark Ruffalo, Ben Kingsley, Emily Mortimer, Michele Williams

  • País: EUA


 
 
 

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